segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O POETA HERMES VIEIRA, 102 ANOS

Por Guaipuan Vieira
     
Hoje, 23 de setembro de 2013, registramos a data de nascimento de uma das maiores expressões da poesia popular piauiense, Hermes Vieira. Poeta, indianista e folclorista.(foto:Maio/2000) Nascido em 1911, em Elesbão Veloso, município da cidade de Valença, Piauí. Filho de Raimundo Rodrigues Cardoso Vieira e de Joaquina de Sousa Viana, pequeno latifundiário, que tangido pelas secas periódicas deixara a lavoura e sobrevivera curtindo pele de animal de criação. Naquela época a família residia no distrito de Palmeirais. Hermes aos oito anos de idade, a exemplo dos irmãos mais velhos, ajudava o pai. Somente aos treze anos foi matriculado numa Escola em Cajueiro, distrito daquela região. O trajeto de doze quilômetros era feito de segunda a sexta-feira, a lombo de burro ou a pé. Uma de suas virtudes era admirada por sua professora, Rosa Lima, pois aquele menino pobre aproveitava o recreio para fazer o dever de casa, como predestinado pelo destino. Haja vista que a família sem recursos financeiros, não teve mais condição de pagar seus estudos. Mas os seis meses de escola foram suficientes para que aprendesse a ler e escrever. Soube aproveitar as instâncias da vida, tornando-se um autodidata e poeta possuidor de uma poética com estilo próprio. HOJE SE VIVO FOSSE ESTARIA COMPLETANDO 102 ANOS DE VIDA.  Saudemos este imortal poeta com seu poema O ANALFABETO extraído de seu livro NORDESTE. Um clássico da literatura popular: 

                                                   Foto: Raimundo Rosa(Cazé), década de 80

O ANALFABETO

Meu patrão, rãincê tá vendo
Este pé de jatobá
E esses resto de parede
Dendro desses bamburá?

Apois foi nessa tapera,
Amarrado neste pau,
Qui mataro, já fáiz ano,
O caboco Niculau.

Isto aqui já foi fazenda
Dum preverso Zé Ribêro,
E prevesso tombém era
Chico Neto, seu vaquêro.

Esse causo foi assim,
Vou conta p’u coroné,
Qué p’a mode rãincê vê
Cum’as coisa do mund’é.

Um subrim de Zé Ribêro,
Um xujeito tombém mau,
Deu de taca, sem mutivo,
Num rimão de Niculau.
  
Niculau, sabendo disso,
Um manguá meteu na mão
E vingou, no mêrmo dia,
A disfeita do rimão.

No momento inda fizêro
Uma gruía com o rapáiz
Mais, dispois isfriou tudo,
E fizéro novas páiz.

Mais, um dia, Niculau
Pricisou de viajá
P’a fazenda “Vaca Morta”
Ponde vamos nóis passa.

Quando sobe da nutiça,
Esse tá de Zé Ribêro
Pidiu ele qui levasse
Um biête p’u vaquêro.

Niculau pegou o biête
E siguiu no seu camim;
Era  um dia de verão,
Num dumingo bem cedim.

Quando o dia foi morrendo;
Niculau aqui chegou
E o biête qui trazia
Ao vaquêro ele intregou.

Esse, antão,cum cara santa
De quem tem bom coração,
Féiz o pobe do rapáiz
Tira a sela do alazão.

E dispois ele fêiz tudo
Pra seu hóspe s’inludi:
Lhi deu ceia cum fartura
E uma rede p’a drumi.

Mais porém quando drumia
Sono carmo d’inucente,
Chico Neto cum dois caba
Lhi pegáro de repente.

E na luiz de uma foguêra,
Amarrado neste pau,
Chico Neto, carmamente,
Foi matando Niculau.

Cum siá faca bem molada,
Esse mau, sem coração,
Arrancou do pobe o zói
E adispois cortou siás mão.

E do corpo da rapáiz
Foi seu sãingue s’isgotando,
E o marvado ria dele
Desse jeito s’cabando.

Adispois lhe preguntou,
Todo cheio de prazê:
-Niculau, você já sabe
O pur quê qui vai morre?

Niculau, nesse momento,
Cuma ponta de arfinete,
Biservô batê na mente
A lembrança do biête.

Mêrmo assim já quaje morto,
Cum seu corpo insãinguentado,
Niculau, cum vóiz baxinha,
Respondeu p’u disgraçado:

-O mutivo d’eu morre...
Eu bem sei...seu Chico Neto
Tá disgraça...só si deu...
Pruqu’eu sou...anafabeto...

Cuma é triste, coroné,
Um cristão assim morre
S’intregando ao assassino,
Pruque não sabia lê!!


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