quinta-feira, 24 de julho de 2014

LEMBRANÇAS DE ARIANO SUASSUNA

Por Guaipuan Vieira*

    Tive a oportunidade de puxar um fio de prosa com o poeta Ariano Suassuna. Esse encontro se deu em uma das Bienais do Livro em Fortaleza, após o mestre proferir palestra sobre cultura popular. O presenteei com meu livro CANTA CORDEL, Edição Comepi-PI-2000, já esgotada. Conhecia de perto a simplicidade daquele expoente da cultura brasileira. Ardoroso defensor da arte popular, destacando-se a literatura de cordel e que décadas alegrou vidas com suas dramaturgias das quais se destaca o Auto da Compadecida. O Brasil perde uma das maiores expressões da nossa literatura e deixa uma lacuna impreenchível, pelo estilo próprio que o consagrou como poeta e escritor.

As artes se emudeceram
No decorrer de uma hora,
Quando a notícia enlutada
Entre linhas ela chora,
Informando tristemente
Que Suassuna foi-se embora.

Partiu deixando saudade
A pátria que o viu nascer;
Aos filhos que viu seu pai
Na ascensão ir atender,
Chamado do Onipotente
Pra um novo livro escrever.

Saudade de seus leitores
De sua gente nordestina,
Daquela forma de vida
Tangida conforme a sina,
Inspirações que o poeta
Compôs obra genuína.

Deixou uma grande lacuna
Na nossa literatura,
Mas com lembranças mais vivas
Com intensa desenvoltura
E iremos ver gerações
Fortalecendo a leitura.

*Membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel-ABLC;
Compõe a equipe de locutores da Rádio Pitaguary –AM 1340 KHZ;
Fundador do Centro Cultural dos Cordelistas do Nordeste -CECORDEL 

quinta-feira, 17 de julho de 2014

  ÚLTIMA PROSA COM HERMES VIEIRA
                (14 ANOS SEM O POETA)
Por Guaipuan Vieira(*)

Para Câmara Cascudo
Hermes jamais se encerra
"Transmite as mentes distantes
O feitiço de sua terra,
E de seu povo", acrescenta,
Ao poeta pé-de-serra.
Gravação do recital de 1974 
     Era domingo, 16 de julho de 2000. Naquele dia acordei mais cedo, ia me apresentar na TV Educativa, canal 5, em um programa popular. O sol da capital cearense despertava rápido e o céu estava mais azul. Um bem-te-vi cantava forte no galho da mangueira, um outro respondia de uma outra árvore, formando um dueto. Juntei as xilogravuras que havia terminado na noite anterior e um pacote contendo cordéis de minha lavra e segui à TV. A minha apresentação foi bem sucedida. Ao termino saí rápido. Tinha que visitar meu pai, poeta Hermes Vieira. Ele estava morando com uma irmã, no bairro Parque Araxá, na grande Parquelândia, próximo do centro da cidade. Mas uma intuição afastava-me daquela visita àquelas horas da manhã. Resolvi seguir para casa. Somente à tardinha com os filhos e a mulher, fui visitá-lo.
     Lá estava, calado em seu quarto, deitado em uma rede, aparentando saúde, mas atento aos acontecimentos do mundo, graças a um rádio de pilha, sintonizado em emissora com grade jornalística. Ao ouvir a minha voz exclamou: Puan! Conversamos bastante, falei-lhe da minha participação na TV, e de ter recitado um poema seu: O Flagelado. Ele manteve-se calado, era simples, sem vaidade. Logo puxou conversa sobre política. Posteriormente falou-me que sentia saudade do Piauí. Aquilo me soou como uma solicitação de retornar ao rincão natal. Disse-lhe que estava ministrando umas oficinas de cordel no Caic (Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente), logo que terminasse, aproveitaria também o período de férias da repartição pública e iríamos a Teresina. Ele apenas temperou a garganta e falou-me que tinha muita coisa para escrever, mas a falta da visão era um obstáculo. Não queria incomodar ninguém. Propus ser o copista e rapidamente acrescentou: não tem graça! Justificando que a produção poética é espontânea, mas quando deixa de ser oral, requer paciência e burilamento, como toda a arte, ser lapidada. Despedi-me na certeza que retornaria no dia seguinte(17), para tratarmos da publicação de seu terceiro livro: O CASAL - FANTASMA E PEQUENO DICIONÁRIO DA LÍNGUA TUPI, que guardado em um baú na casa grande, muitos capítulos foram destruídos, por conseqüência de umidade. Contudo, o poeta entre o silêncio das horas, que despertavam o novo dia, e o lugar à meditação, abraçava-lhe a imortalidade, enriquecendo muito mais a sua gesta nordestina, deixando-nos a saudade.
      Transcrevo texto da  ANTOLOGIA POÉTICA PIAUIENSE - J. Miguel de Matos. Editora Artenova. Ed.1974. Págs:157 a 164:
      "Não seria, narrando em rápidas pinceladas a poesia folclórica de Hermes Vieira, que este autor olvidasse o sentido nativo dos versos do poeta de Valença, tendo no coração a imagem da terra natal, osculada no inverno pela água das chuvas que despencam do Céu fragmentadas e cristalinas, e abrasada nos estios pelos raios de fogo do sol.        E o soneto "Piauí" saiu da forja do poeta, nestes versos que o coração não pode reter na sua sensibilidade e nos seus arcanos:"

"Teus montes, as montanhas e as colinas;
Teus vales ubertosos, florescentes;
 Teus campos matizados, sorridentes;
 Teus brejos fabulosos de águas finas;

 Teus rios, tuas fontes cristalinas;
 Teus lagos pequeninos, transluzentes;
 Teus bosques perfumosos, viridentes;
 Teus belos chapadões e as campinas;

 Teus ricos e pomposos estendais;
 De flores e de frutos naturais;
 De lindas borboletas multicores;

 De ledos e canoros passarinhos,
 São tudo para mim dourados ninhos,
 São bálsamos que acalmam minhas dores!"

     J. Miguel de Matos conclui: “Este é Hermes Vieira que Valença, pela data de Elesbão Veloso, deu ao Piauí. Um presente de raro valor, uma luminescência de ofuscante brilho, uma luz de embevecente claridade!”
    Em julho de 2012, o poeta e escritor Elmar Carvalho,também admirador da poesia de Hermes Vieira, ao consultar-me sobre a data de falecimento do poeta maior, respondi-lhe com este poema, publicado em seu Blog: Elmar Carvalho: Bilhete para Elmar Carvalho (*)
        Ó poeta Elmar Carvalho,
        Fico feliz com a lembrança
        De meu pai Hermes Vieira,
        Que versejou, com pujança,
        O Nordeste brasileiro
        E toda sua vizinhança.

        Hermes nasceu em Valença,
        Na fazenda Caiçara,
        Em vinte e três de setembro,
        Numa tarde muito clara;
        Em mil novecentos e onze,
        Seu registro nos declara.  

        Em 17 de julho
        Na capital Fortaleza,
        Pra ser preciso em 2000
        Tivemos triste surpresa:
        O mestre da poesia
        Partia, deixando tristeza.

        Naquelas horas silentes,
        Como luto da natura,
        Pra mansão celestial,
        Foi-se sobre releitura
        De seu verso e seu estilo
        De métrica com rima pura.

        Doze anos estão fazendo,
        Que ele mudou de morada,
        Mas seus versos são mais lidos,
        E pela crítica estudada,
        Entre nós está presente
        Sempre é página folheada.

Hoje, 17/07/2014, digo:

        Não ouço há quatorze anos
        Aquela rima brejeira
        De um verso concatenado
        Com a métrica verdadeira;
        Porque partiu no silêncio...
        O poeta Hermes Vieira. 
 
        Estes anos mais saudade
        De meu mestre e pai amado
        Que está no altar de cima
        Com Cristo ressuscitado;
        Porém hoje seu poema
        É por todos nós lembrado.

        Sei que é de seu agrado
        Estas justas homenagens
        Que seu rincão Piauí
        Traduz em suas mensagens
        Lembrando o velho poeta
        Por onde fez as paragens.

(*) Membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel - ABLC, 
ACESSE TAMBÉM: http://www.cecordel.com.br/