sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Cordel Longe do fim 

Baú do cordel -  A Literatura de cordel está renascendo no Ceará. O presidente e fundador  do Centro Cultural dos Cordelistas (Cecordel), Guaipuan Vieira, comemora os esforços tomados pela entidade para manter a tradição de aproximadamente 80 anos do cordel no Estado. Com a morte anunciada por estudiosos da cultura popular,a literatura de cordel, segundo ele, passa  longe  fim”.

    Criado em 1987, através da iniciativa individual de Vieira, o Cecordel surgiu com a finalidade de reunir os cordelistas de Fortaleza e reativar a produção de folhetos que desde a década de 70 estava sumida do cenário cultural cearense.  As estratégias são mostras em escolas, centros culturais e feiras, intercambio com bibliotecas e universidades de outras estados e realização de oficinas para crianças e adultos, bem como uma banca para a venda dos folhetos no centro da cidade.

    A literatura de Cordel tenta aos poucos retomar seu passo de volta ao posto de  arte tradicional e genuína representante do folclore nordestino. A confecção de folhetos encomendados por políticos em época  de eleição e por agencias de turismo, para divulgação das atrações de Fortaleza, são outros meios que auxiliam na retomada da produção . O cecordel funciona ainda como uma cooperativa.  Da contribuição dos sócios –todos poetas – a cada mês, através de sorteio, são publicados dois títulos de cordéis inéditos. A entidade em 11 anos de existência, já publicou mais de 100 títulos.

   “Apostamos muito em divulgação nos meios de comunicação, como as revistas e jornais culturais”, acrescenta o presidente. Sobre isso, ele conta um fato curioso que ocorreu no ano da fundação do Cecordel. Nesta ocasião a rede Globo de Televisão estava no Ceará para a gravação do especial “O Último Cangaceiro” o Cecordel foi contatado pela Globo para emprestar alguns folhetos para a filmagem.  A entidade aceitou a tarefa e pediu em troca apenas a divulgação  do nome do Centro nos créditos do especial. “Ensinei  a atriz Letícia Sabatella a cantar os versos de Cordel”, lembro Vieira. O especial foi gravado, os folhetos do Cecordel filmados, atriz ensinada, mas, segundo ele, o nome não estava lá. Mesmo assim, o Centro não perdeu o ânimo.

      Uma enxurrada de estudos, dissertações e teses em universidades  de todo o País são fatos que comprovam o interesse das pessoas pela literatura de cordel. “O cordel cearense foi tema de teses até na Inglaterra”, festeja.(...)

 Adaptação

    Poeta e ex-presidente do Cecordel, Otávio Menezes, diz que o advento e modernização do meios de comunicação, como rádio,televisão e jornal, foram as principais causas da queda na produção original de levar informação, entretenimento e cultura ao povo nordestino. “Dos anos 30 à década de 60, a informação não chegava à casa das pessoas com a rapidez de hoje e a impressão e transporte dos jornais demorava dias”, explica. “ O cordel não está morrendo, está apenas se adaptando à transformações  da sociedade”.

    Obras como “Pavão Misterioso” e “João Grilo” chegaram a vender cerca de 80 mil  e 10 mil exemplares, respectivamente, na década de 40. Guaipuan Vieira calcula que hoje a produção chega no máximo a mil folhetos. Antigamente, os próprios  poetas viajavam léguas pelo sertão nordestino contatando e vendando seus poemas. Eles cantavam ainda com a ajuda dos folheteiros e pontos comerciais em mercados, feiras e estações ferroviárias.

     “As cidades estão desenvolvidas, movimentadas e as pessoas preferem assistir a TV ou ler revistas para passar o tempo e se informar”, afirma Otávio Menezes. O surgimento do mimeógrafo, do computador e da xerox também serviu para substituir as antigas tipografias com suas máquinas primitivas e caseiras, denominadas “suvaqueiras”. A produção dos folhetos hoje é basicamente domestica com a ajuda do computador e da fotocópia. “ A literatura de cordel estava precisando de uma reformulação para se adaptar, pois manter a tradição não é manter o atraso” salienta.

  Construção  

   As temáticas continuam praticamente as mesmas de 80 anos atrás. Fatos jornalísticos do momento, acontecimentos de repercussão nacional, como a morte de uma pessoa famosa, e notícias locais são temas preferidos. No linguajar do cordel, são fatos “de circunstancia” ou “de acorrido”. Menezes esclarece que a produção de temas globais foi reduzida, pois a TV, o rádio, o jornal já dão conta disso.

    Há ainda temática históricas e ficcionais. “Não pegamos somente o ato em si, que funciona apenas com espinha dorsal. Acrescentamos outros elementos com a rima, o humor e os gracejos”, explica. Títulos como “ Chegada de Lampião no Céu”, Mainha, o maior pistoleiro do Nordeste”, “A Morte do Rei do Baião” e “ A Mulher que deus à luz a seis meninas e uma vez” são apenas alguns exemplos da extensa lista das histórias contadas. As capas são sempre ilustradas com xilogravuras ou desenhos.

     Os folhetos têm geralmente oito e 16 páginas e são narrados em estrofes com seis versos (sextilha) ou sete versos rigorosamente metrificados.  Os títulos de ficção como temas  de aventuras e amor baseados na literatura medieval têm 32 ou 64 páginas e estão cada vez mais raros nos dias de hoje.

      Os custos para produção são altos para o poeta que, atualmente, não lucra quase na com a venda, pois a maior parte é distribuída. “Além disso, os folhetos longos exigem muita experiência do poeta para a condução do fio narrativo”, esclarece Menezes. Segundo o presidente do Cecordel, os gastos com a produção de mil exemplares comuns varia de R$180 a R$300 e mil folhetos de ficção chegam a custar o triplo. Os leitores mais assíduos do cordel em Fortaleza são estudantes –estimulados pelos professores -, pesquisadores, turistas e agricultores que chegam à capital. “Os folhetos também têm uma presença forte na região do Cariri, principalmente Juazeiro do Norte, e em Canindé, vendidos durante as festas religiosas”, ressalta Guaipuan Vieira. Para Otávio Menezes, os temas preferidos continuam sendo os engraçados, jocosos e galhofeiros.

   “Para atrair o leitor, o título tem que ser interessante e criativo, ter uma boa ilustração na capa, a história linear, bem contada., versos concatenados, bem cadenciados e rima perfeita”, acrescenta o poeta.


 Benedito Teixeira – Gazeta Mercantil -Terça-feira,06/01/1999

Acesse: www.cecordel.com.br

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